Do site Folha Online
Olhar fundo nos olhos de alguém pode, literalmente, revelar muitos segredos. Cientistas acabam de descobrir que uma finíssima camada de células bem atrás da retina guarda um grupo especial de células-tronco, que pode se transformar em coisas tão variadas quanto gordura e neurônios.
Conhecida como epitélio pigmentar da retina, essa camada tem potencial para tratar doenças que levam à cegueira, como a degeneração macular, para começar. E no futuro, de acordo com o trabalho, ela poderia servir como reservatório de células-tronco para muitas outras terapias, incluindo problemas do sistema nervoso.
E, ao contrário de algumas outras fontes de células-tronco, a possibilidade de coleta ou sua capacidade de diferenciação não se alteram com a idade dos pacientes. “Dá para retirá-las até de alguém com 99 anos”, disse Sally Temple, do Instituto de Células-Tronco Neurais em Rensselaer, Nova York, e líder do estudo, publicado na revista especializada “Cell Stem Cell”.
O epitélio pigmentar da retina fica bem no fundo do olho, atrás da retina, e auxilia na sensibilidade à luz. Quando ele é danificado, essa capacidade se perde. Suas células se diferenciam (especializam-se) ainda no útero e ficam dormentes durante o resto da vida. O que os cientistas fazem é “despertar” essa capacidade de diferenciação.
Esse tecido todo especial, porém, não é exclusividade de humanos, e outras espécies também o têm. Certos anfíbios até conseguem manter a capacidade de diferenciação na vida adulta. É o caso, por exemplo, das salamandras, que conseguem regenerar seus olhos (além de muitas outras partes do corpo), após lesões. Ao perceber essa capacidade nos animais, cientistas decidiram investigar o potencial nas nossas próprias células.
Os tecidos usados nas pesquisas foram coletados de pessoas de idade entre 22 e 99 anos, apenas algumas horas após suas mortes. Os autores do estudo dizem, no entanto, que a técnica é perfeitamente viável com quem está vivo. As células também podem ser isoladas do fluido do entorno da retina. Ou seja, seria só retirar esse líquido com uma agulha. Por mais desconfortável que pareça, é um procedimento comum no mundo da oftalmologia.
Um método que é, apesar de tudo, bem menos invasivo do que outros para ter acesso a células-tronco neurais. Para chegar às do hipocampo, por exemplo, é preciso uma incisão no cérebro.
“Essa capacidade de se diferenciar em tantas coisas, de gordura a células do sistema nervoso, é de certa forma esquisita, mas interessante”, diz Antonio Carlos Campos de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Segundo o trabalho, essa versatilidade poderia explicar doenças em que há surgimento de tecido não ocular na região dos olhos. Para chegar à fase de testes clínicos, porém, os cientistas reconhecem que ainda há um longo caminho.
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